Do
alto das montanhas. Das profundezas da Floresta Amazônica. Do coração da Mata
Atlântica. Nunca as riquezas que vêm da terra foram tão valorizadas. São os
superalimentos que dão força, vitalidade e combatem o envelhecimento.
Cientistas
do mundo todo se voltam para a América Latina. É do Brasil e de alguns dos seus
vizinhos que saem os alimentos mais completos para o ser humano. Alimentos que
brotam no chão há milênios e que precisavam apenas ser redescobertos, como a
quinoa.
Dona
Rosa Oliveira descobriu a quinoa no ano passado. Desde então esse alimento
nunca mais saiu da dieta. “Com 63 anos, você não ter nenhum pouco de
colesterol, é ótimo não é? Então, eu acho que a quinoa lava as artérias”, diz a
dona de casa.
Na
casa de Dona Rosa, em
Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, todos os dias é o
mesmo ritual. Ela inclui flocos de quinoa nas vitaminas que faz para o café da
manhã.
“Ah,
eu nem sinto o sabor. Não sinto nenhuma diferença. Parece uma aveia normal”,
comenta.
Mas
para que a quinoa chegasse até a mesa de Dona Rosa não foi fácil. Há 30 anos,
os grãos andinos eram praticamente desprezados.
Muitos quase desapareceram.
A
redescoberta destes alimentos começou com Luis Sumar Kalinowski, um morador do
Vale Sagrado dos Incas. O professor Luis hoje tem 75 anos e continua
entusiasmado. Ele pergunta: “O que queremos para as nossas crianças? Que
representem um futuro para as nações. Então, temos que lhes dar bom alimento”.
Disposto
a estudar os cultivos andinos, o professor conseguiu convencer a Academia
Nacional de Ciências dos Estados Unidos a financiar um grande projeto.
Durante
seis anos, ele saiu pelas montanhas em busca das plantas esquecidas. “Um abandono total”, diz. O amaranto, um
primo da quinoa, foi salvo por pouco. Foi salvo por ser bonito. Depois de
procurar muito, encontrou.
“Em
um jardim. Então, eu procurei jardins e mais jardins. Fui ao litoral, procurei em Cusco. Procurei
muito e assim consegui resgatar”, conta o professor.
O
amaranto, um superalimento ainda pouco conhecido, tinha virado uma planta
ornamental.
Lado
a lado, o amaranto e a quinoa. Esta era uma paisagem muito comum 500 anos
atrás. Quando os conquistadores espanhóis chegaram, eles não só desprezaram estas
plantas. Segundo os estudiosos, eles intencionalmente destruíram estes
superalimentos, que davam a força aos guerreiros incas.
“Eles
queriam dominar as populações conquistadas e uma maneira de dominá-las é
proibindo que comam alimentos de qualidade. Pois quem come alimento de
qualidade tem cabeça boa e se põe a pensar”, explica o professor.
O
resultado do trabalho do professor foi um livro que jogou luz sobre as riquezas
esquecidas. Dezenas de grãos, raízes, legumes e frutas estão listados nele.
Graças
à semente que ele lançou lá atrás, este ano de 2013 foi escolhido o ano
internacional da quinoa.
O
interesse está em toda parte. Como na pesquisa que Dona Rosa, lá de Ribeirão,
participou. Durante quatro semanas, mulheres que já passaram pela menopausa comeram
25 gramas de quinoa por dia. E não mudaram mais nada na alimentação.
A
ideia era ver se a quinoa iria proteger o coração delas, justamente na idade em
que as mulheres têm mais risco de doenças circulatórias. Para Flávia Giolo de
Carvalho, a pesquisadora, não foi tão difícil convencê-las.
“O
sabor não interfere tanto nos alimentos. Então, vai só agregar valor
nutricional, vai melhorar a saúde da senhora, vai melhorar o perfil lipídico.
Eu vendi o meu peixe ssim, falando destes potenciais benéficos”, lembra a
nutricionista.
No fim da
pesquisa, feita pela USP e pela Unesp, as mulheres baixaram o colesterol entre
5% e 10% e aumentaram no organismo as substâncias que combatem o
envelhecimento.
“Quando
você vê quatro semanas, que 25 gramas deram resultados interessantes, acho que
se extrapolar isso para mais tempo, acho que tem resultados melhores ainda.
Pensando sempre em melhorar a qualidade de vida, através da inclusão de um
alimento”, explica Flávia.
Dona
Rosa entrou na pesquisa com o colesterol acima do normal. E agora está com os
índices em dia e o coração inteiro para correr atrás da maior paixão: o netinho
Jean Otávio, de um ano e meio.
“Trabalho
muito, faço todo o serviço da casa e cuido do bebê. Estou aqui inteira. Chega a
noite eu quero que o marido vá passear comigo ainda”, conta Dona Rosa.
Em
Lima, capital do Peru, fomos encontrar a nutricionista Ritva Repo de Carrasco,
uma finlandesa que há 25 anos estuda a quinoa.
Ela
chama este alimento de "o grão mais completo do mundo". Descobriu
semelhanças da quinoa até com o leite materno.
“A quinoa
tem uma proteína que pode ser comparada à do leite. Tem alto conteúdo de fibra,
que combate o câncer. E tem ainda compostos que chamamos de bioativos, que
protegem contra muitas doenças. Por isso eu diria que a quinoa é um
superalimento”, garante a nutricionista.
A
quinoa tem os dez aminoácidos essenciais para a vida humana, que o nosso corpo
não é capaz de produzir. E em especial a lisina, fundamental na fase do
crescimento.
No
campo, o desafio é tornar a quinoa um alimento cada vez mais comum e mais
barato. Para isso, dez grandes pesquisas estão sendo financiadas no Peru como
parte do Ano Internacional da Quinoa.
O
engenheiro agrônomo Mario Tapia percorre as montanhas do país recolhendo e
testando novas variedades da planta. Se no passado os conquistadores renegaram
o conhecimento tradicional, hoje os pesquisadores visitam os descendentes dos
antigos donos destas terras para aprender com eles.
“Os
agricultores não têm grandes extensões de terra, mas uma pequena área para o
uso pessoal. Então, eles dão muito valor, porque complementa a batata, o milho,
com as proteínas da quinoa. É um conhecimento tradicional de balancear a
dieta”, explica o engenheiro.
No
Brasil, em vez de subir a montanha, nós vamos entrar na floresta para procurar
saúde. Na Amazônia, a natureza prepara e entrega o presente.
O
superalimento que nós procuramos nasce no alto, na copa de árvores de até 50
metros. Mas não é preciso ir buscá-lo lá em cima. Com olhar treinado
e facão ligeiro, os homens vão enchendo o cesto.
Mas
antes de comer, é preciso vencer várias camadas de casca. Finalmente, está ela:
a castanha do Brasil.
Quem
colhe passa o dia na mata e não precisa levar comida de casa. “Só sei dizer que
não dá fome durante a gente estar trabalhando. A gente come uma castanha de vez
em quando, não dá fome”, conta Edison Coelho Teles, catador de castanha.
Sabedoria
transmitida geração após geração. Onde a única avenida foi construída pela
natureza e o sustento vem da castanha, uma sementinha que carrega a força de
uma árvore gigante.
Em
São Paulo,
onde os gigantes são de pedra, a vida é bem diferente. Correria, agitação e um
ritmo alucinante. Para vencer o estresse e os perigos que a cidade traz para a
nossa saúde, é preciso contar com a ajuda de um pedacinho da floresta.
Luíza
vive apressada. Em um dia daqueles, ela mal tem tempo de dar ‘bom dia’. Luíza
comanda uma empresa de informática com 270 funcionários. Todos sabem que ela
gosta de perfeição.
“Nós
somos ligados, estamos em uma panela de pressão sempre”, comenta. Nos momentos
em que a pressão chega ao máximo, Luíza reage com um gesto quase automático.
Ela estica o braço e pede ajuda para a castanha.
“Eu
já sinto que eu começo a despertar, eu já começo pensar melhor, eu já começo a
tomar decisões melhores. Claro que eu não coloco isso em função de uma
castanha, mas ela contribui com o todo”, diz.
Há
20 anos ela tem esse costume. Contra o estresse, uma castanha por dia. “Também,
como mulher. A pele fica melhor, o cabelo fica melhor. Enfim, isso ajuda como
um todo”, afirma.
A
ciência estuda esses e muitos outros benefícios da castanha. Ela protege o
nosso organismo principalmente porque é rica em selênio.
“Você
pode também garantir um melhor funcionamento do seu organismo durante a vida
inteira. Isso contribuirá, com certeza, para uma melhor velhice, para o
envelhecimento com mais saúde”, explica Silvia Franciscato Cozzolino,
nutricionista - USP.
Em
São Paulo,
na USP, a professora Silvia Cozzolino orienta uma série de pesquisas que
comprovam os benefícios do selênio no combate a muitas doenças. “Ele pode ter
uma ação, por exemplo, no câncer. Pode ter uma ação em relação a doenças da
glândula tireóide, pode ter ação na obesidade”, aponta a professora.
E
a lista não para por aí. Outros estudos recomendam a castanha para combater a
artrite, prevenir a diabetes, refrear a doença de Alzheimer.
Com
o selênio, nosso cérebro funciona melhor por mais tempo. Seu Fernandes, de 81
anos, e Dona Santa, 84 anos, aceitaram ser voluntários de uma pesquisa da USP.
Durante
seis meses, consumiram uma castanha por dia. Já que a dose diária é pequena,
aproveita.
São
Paulo é pequena para Dona Santa. Diariamente, ela anda pela maior cidade do
país, como se estivesse no quintal de casa. “Melhor coisa da vida é você ser
independente. Eu acho que isso é uma riqueza, dinheiro para mim não ia valer
nada”, afirma Santa de Souza, modelista aposentada.
Dona
Santa já faz planos para a festa de aniversário. De 85 anos? Não, de 100. “Vai
ser em um clube, lá no Corinthians. Mudei de time. Será que foi a castanha? Não
foi antes”, brinca.
Globo Repórter - Edição do dia 12/04/2013